sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

CONTO - O BLUES DE NOVA BABEL: TRÊS CARTAS (PARTE 2)

Escrito por
MWXS

Obs: a primeira parte desta história pode ser lida através deste link.

Sob as sombras e as luzes do Última Chance, o álcool e a música são remédios receitados pelo atendente detrás do balcão do bar. Um placebo doce para me fazer esquecer o sabor amargo das mazelas do dia a dia. E o assombro dos meus fantasmas pessoais.

Olho em volta e dou um longo suspiro. Deixo a música embalar meus nervos. O arrepio ébrio espalha jovialidade pelo meu espírito. Também causa um pouco de tontura. É o álcool cobrando seu quinhão pelo breve instante de relaxamento. As pessoas em volta se tornam vultos na escuridão. Na penumbra, sob a luz efêmera do bar, sorrisos e vozes num caos cheio de vida e beleza, tolice e sabedoria. É quando eu vejo uma borboleta voando discretamente entre os corpos em movimento, uma tatuagem adornando delicadamente as costas de uma mulher.

Vanice está perto do palco, ao sabor das batidas da banda. Vibrações melancólicas, porém esperançosas, que todo bom blues deve ter. Balança o corpo num movimento ritmado e agradável de ver, como as ondas do mar numa manhã de domingo, à beira de uma longa praia branca. Sob um céu nublado. Ela mantinha os olhos fechados, expressando claramente para quem se desse ao trabalho de reparar a bela obra de arte que estava compondo, num grito silencioso que dizia — Eu estou muito bem! — para todos em volta sem dizer palavra alguma. Ela tem esse lance de energia, uma encarnação perfeita de carpe diem. Uma mulher capaz de passar aquela alegria radiante para qualquer um que estivesse próximo. O que infelizmente inclui o bando de idiotas que a cercam. Um punhado de panacas babando em volta de um pequeno sol brilhante.

Quando um dos manés com quem ela está acompanhada a abraça e a beija no pescoço, eu deixo escapar um sorriso cínico. Uma mulher como ela não deveria perder tempo com esses cabeças ocas. Moleques incapazes de enxergar a beleza debaixo daquela beleza. Era como beber um bom vinho entre bêbados.

Mas não era por falta de aviso. Eu já tinha dito isso para ela quando andávamos em três. Nós e um amigo. Durante a fase dela de andar com caras estranhos. Não que caras estranhos também não pudessem render idiotas competentes. Nisso eu posso levantar a mão e dizer pro juiz — Culpado! — para ambas as coisas. Ela nunca me deu ouvidos, mas quem raios sou eu para dar conselhos a alguém sobre problemas de relacionamentos complicados? O roto falando ao torto.

O cara que a abraçou a puxa para dançar. Ela ergue os braços na altura dos ombros dele, pousando gentilmente o rosto sobre seu peito. Vejo novamente a bela borboleta tatuada, livre entre a longa fenda do vestido, em suas costas. Me distraio durante alguns minutos olhando para aquele pequeno inseto colorido dançando imperceptível entre as pessoas.

— Ei, Vanice! — alguém chama sua atenção. O grupo inteiro olha para um dos cantos bem iluminados do bar, onde ficam as mesas. Com um aceno e um sorriso lançados à distância, um cara numa mesa de pôquer pede para que ela vá até ele. Num instante de segundo, ela quase consegue disfarçar a surpresa e preocupação entre a expressão de alegria que veio em seguida. Tão natural que ninguém poderia dizer que não era verdadeira. Só eu, com um maldito faro para confusão, consigo perceber que tem algo errado acontecendo.

— Vanice, vem cá! — Meus olhos se desviam da borboleta e vão até o amigo dela. Um estranho para mim, mas no instante que bato a vista em seus colegas de mesa, eu presumi que se tratava de mais um daqueles moleques idiotas. Digo, não um idiota qualquer, este conseguia ser idiota demais até para o bem da própria saúde. Então aquelas breves marcas de preocupação que marcaram a face de Vanice alguns segundos atrás fizeram sentido.

Eu torci para que ela fosse sensata o suficiente para não ir até ele. — Não vai não, fica aí! — O sussurro me escapou entre os dentes. Mas quem raios sou eu para dar conselhos a alguém sobre problemas que estão para nos agarrar pelos calcanhares? O roto falando ao torto.

Sorrindo, ela se aproxima do amigo com um beijo no rosto. Sussurra algo em seu ouvido e deixa escapar novamente uma breve expressão preocupada. Ele ri para tranquilizá-la e lhe devolve o beijo. O efeito que ela causa aos outros jogadores na mesa é fulminante. Prende sua atenção. Ficam mudos. Por uns instantes os caras nem respiram! O moleque sabia que isso ía acontecer. Ele queria distração.

Só eu, com um maldito faro para confusão, percebo as mãos rápidas do idiota, deslizando discretamente antes dele fazer um comentário sarcástico e alto o suficiente para arrancar todos do transe. Ele conseguiu o que queria, mas continua falando alto, contando vantagem, dizendo baboseiras, se achando o dono da mesa. Um idiota soberbo e um trapaceiro barato, péssima combinação para o ego de um moleque entre homens.

Ele acha que é esperto. Eu sei que não é. Porque eu sei que a mesa tem um dono. E não é ele.

Dane-se o idiota. Minha preocupação está em outra pessoa. — Sai daí, Vanice, essa história não vai acabar bem! — Viro outra dose de pinga. Este sou eu, um maldito pretensioso que acha que pode dar conselhos a alguém, sobre problemas que obviamente não vão terminar bem. Um roto falando de algo torto.


Leia a terceira (e última) parte de Três Cartas clicando aqui.

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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

NO WATTPAD: DIAS DE CHUVA


Saudações joviais.

Seguindo minhas atualizações de texto para publicação no Wattpad, revisei mais um texto para a série OS DIÁRIOS DE ÓCULOS que pode ser conferido aqui.

Material que escrevi em fevereiro de 2013. Tempo demais para dizer que foi ontem. Tempo de menos para dizer que está esquecido. Mas afinal, talvez nunca esqueçamos estes momentos que nos marcam como ferro em brasa.

Bons ventos.

GWT.

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